Carta de Defesa a Carlos Moore e a Comunidade Negra

Malcolm X  e Professor Carlos Moore


Diante dos acontecimentos ocorridos nesta última terça-feira, (quatorze de outubro de dois mil e quatorze), na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, campus Maracanã, no I Seminário Internacional Fela Kuti, os coletivos negros e estudantes negros e negras incomodados com tamanha falta de respeito resolvem se pronunciar.

Acreditamos que homenagear Fela Kuti e não realizar um evento pautado na perspectiva do mesmo, não contribui para que novos olhares sejam lançados sobre aquele que foi símbolo contra a opressão e ocidentalização dos africanos e afrodiaspóricos no mundo. A própria minoria absoluta de negros no grupo de pesquisa denominado Ilê Obá Oyó do Proped, ausência de alinhamento com a realidade hoje experimentada pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e a sua grande quantidade de alunos negros, ressaltando o fato de ser a mesma, a primeira universidade a implementar o sistema de cotas no Brasil, não haver professores negros da universidade nas mesas prestigiando/ participando do evento, contribuindo com conhecimento e debate, a omissão da organização do evento em dialogar com movimentos e órgãos negros já existentes na instituição, tendo um deles sua sala localizada ao lado do auditório onde as principais conferências ocorreram, já são indicativos.

Tudo isso evidenciou o despreparo da organização, inclusa a escolha dos coordenadores de mesa, de onde, partiu uma das maiores afrontas. O mediador Rosenveck Estrela, usando seu poder de coordenador de mesa, interviu de maneira arbitraria nos questionamentos da plateia em defesa de sua bandeira política, acusando o Obama de matar pretos, como se a individualização em um contexto político e de Estado servisse de base para culpabilizar o próprio preto pelo genocídio que sofremos mundialmente. Ainda anteriormente, Maurício Campos, acusou a Frente Negra de ter tido momentos de tendência fascista. Como um erro, acolhe o outro, o professor da UFRJ Mauro Iasi, após uma fala sã e coerente do professor Drº Carlos Moore ao chamar à reflexão o fato de não haver negros dirigentes de partidos e organizações de esquerda até hoje, o mandou estudar história de maneira completamente desrespeitosa e evidenciando total desconhecimento da história de vida política e acadêmica do único negro presente na mesa de debate. Neste momento a revolta naturalmente se fez presente, por nos negarmos a sermos desrespeitados e nos calar em eventos que falam sobre a comunidade negra como um todo, ou seja, em nossos espaços. Assim, irmãs e irmãos foram em direção à mesa onde houve todo tipo de intervenção e inclusive trocas calorosas e insistências sobre o básico, sobre a impossibilidade de continuarmos sendo desrespeitados em ambientes que são nossos. Sim, Mauro Iasi mandou uma mulher preta “tomar no cú” e depois partiu para uma tentativa de agressão física e em seguida fez o mesmo com outra irmã, que em defesa da anterior, se direcionou ao professor.

O que se insere nos tempos atuais é o discurso de democracia pautada pelo pluralismo da Constituição. Mas quando observamos que não possuímos protagonismo em assuntos que são de nosso interesse e vemos uma hegemonia seguida de humilhações e inferiorizações da comunidade preta, somos forçados a intervir da maneira que achamos ser a mais cabível.

Esta carta de repúdio não atenta somente a negligência de conhecimento de causa da vida político/histórica dos componentes da mesa e do homenageado no título do evento como um todo. Mas alerta para os eufemismos persistentes em nossa sociedade que até hoje não conseguiu romper com este “pacto colonial” sob o qual estamos vivendo; grita pelo não respeito à liberdade de expressão, mas não para o explícito pensamento de superioridade que ainda se apresenta de maneira violenta na questão racial.

Exigimos desta maneira um posicionamento do grupo de pesquisa Ilê Obá Oyo do Proped e esclarecimentos acerca da organização do evento. Temos direito como grupo majoritário da população brasileira, mais do que direito é um dever do grupo citado para conosco, já que os temas abordados são referentes ao nosso processo de construção histórica, identitária e cultural.

Convocamos a todas e todos que se indignam com eventualidades como essas que decorrem do posicionamento infundado sobre a subordinação das questões raciais a agendas que se dizem maiores, como a marxista e a experiência infeliz de negras e negros em espaços de construção e manutenção eurocêntrica como se fosse necessária. Não, nossa história não começou com a escravidão e sim, como o próprio professor Carlos Moore disse de maneira completamente respeitosa e no auge de sua sabedoria, queremos saber como a nossa história (de africanos e diaspóricos) pode contribuir para o fim de todas as opressões deste mundo e não apenas assistir eventos onde somente se discursa sobre o suposto brilhantismo de europeus e euro descendentes na oferta de soluções de via única para todos os povos da Humanidade. Basta!! Zumbi Vive! Fela Kuti Vive!

Assinado por:

Afrocentricidade Internacional Bahia
Afrocentricidade Internacional Rio de Janeiro
Coletivo Negro Carolina  de Jesus (UFRJ)
Coletivo Negros da UFF
Coletivo de Estudantes Negros da UFMG
Coletivo Ocupa Alemão
Favela Não Se Cala
Fórum de Enfrentamento ao Genocídio do Povo Preto
Juventude MNU
Ofensiva Negritude
Preta&Gorda
Rede História Preta e Racismo
Rede Externou tá na Rede
Quilombo Xis
Abrahão Santos, Psicólogo.
Ana Luzia, Graduada em história PUC
AlabêNunjara , Graduado em Relações Internacionais UFRJ
Alessandra de Mattos, Coordenadora Preta&Gorda
Arthur José Baptista Junior,  aluno Colégio Pedro II
Ary Roberto Ferreira Pinto Baptista, aluno de Sistema de Informação Unirio
Caroline Amanda Borges – Bastet Queen Ateliê
 Cheyenne santos - Coletivo Ife Turbantes
Cláudia Ferreira Pinto da Silva, Psicóloga
Dolores Lima
Douglas José Gomes Araújo – Centro de Estudos de cultura Afro-Brasileira da UNIFESP Denilson Brown - Coletivo João Cândido
Elton Fernandes
Fernando Senzala, Pedagogo, Mestre em Relações Étnico-raciais e Graduando em Filosofia
Frávio Santo Rua – Antiéticos Rap e granduando em Ciências Sociais UERJ
Gabriel Swahili , Pedagogo/ BA
Geny Guimarães, Professora do Estado
Hamilton Borges , Quilombo X/ Campanha Reaja ou Será Mort@ BA
Jacqueline Oliveira da Conceição, Pesquisadora em Literaturas Africanas UFRJ, Membro do Núcleo de Estudos da Mulher na Literatura (NIELM), Graduanda em Ciências Sociais pela UERJ e Pesquisadora em Antropologia Social (UERJ)
Jhonatan José Alves Ribeiro
Letícia Vieira da Silva, Graduanda Relações Internacionais UERJ
Luanda Ribeiro do Nascimento, Graduada em Ciências Sociais pela PUC-Rio e mestranda em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela UFRJ
Luisa Mattos, integrante Geppherg - Grupo de Estudo e Pesquisa em Políticas Púlicas, História, Educação das Relações Raciais e de Gênero, Unb
Luzia Souza, Professora /SP
Maicon Jackle, Graduanda em Ciências Sociais UERJ
Maria da Conceição Nascimento,  Psicóloga
Marianne Rocha, Graduanda em Ciências Sociais UERJ
Miriam Alves , Coletivo de Estudantes Negr@s da UFMG
Osmar Soares da Silva Filho, Professor colegio Pedro II
Pamela Yvelise
Paulo Rogério,  Instituto Mídia Étnica
Rapper Pirata, Fórum de Hip Hop/ SP
Raissa Nzinga, Graduanda em Psicologia FADERGS
Rayla Vieira Albino
Ras André Guimarães, Graduando em História UERJ
Rosângela Lourenço , Pedagoga e Graduanda em Serviço Social Unigranrio
Tago Elewa Dahoma, Cientista Social/ SP
Telia Ribeiro Lopes
Tony Santos, Professor/ SP
Victor Canuto, Graduando em Filosofia UERJ
Vinicius Martins Araújo
Wellington Agudá, Graffiteiro, Granduando em Filosofia pela UFF

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